segunda-feira, 5 de março de 2012

Indígenas usam radiofonia para defesa de seus direitos

Instrumento conhecido por grupos indígenas especialmente como meio de comunicação entre os funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai), a radiofonia também passou a ser usada por muitos desses povos para defesa de seus interesses e mesmo legitimação de seus costumes. Em sua dissertação de mestrado no curso de Direito da UFPA, Liandro Faro analisou o processo de apropriação dessa tecnologia pelos Suruí Aikewara, Gavião Pykopjê e Xikrin do Kateté, localizados no sudeste do Estado. Ele estudou como esse instrumento, criado pela sociedade envolvente, passou a ter importância entre os indígenas, mais intensamente a partir da década de 1990, tanto para intermediar sua participação política, como para reafirmar sua cultura e proteger o meio

"Meu objetivo era estudar a mobilização dessas populações indígenas nesta nova fase que chamamos de Estado Democrático de Direito, que é o pós-1988. O Estado Democrático estava legitimando algumas ações indígenas e eu queria justamente analisar essa capacidade de organização dos povos", explica Liandro. Ele lembra que, até o advento da Constituição de 1988, os direitos das populações indígenas estavam regulamentados apenas pelo Estatuto do Índio, arcaico para as demandas da época. Com a participação ativa dos povos, afirma o pesquisador, foi possível construir uma constituição que garantisse o reconhecimento da organização social indígena, dos seus costumes e da sua terra.

"Até onde pude pesquisar, não existia nada escrito sobre o processo histórico da radiofonia e sua inserção nas terras indígenas. Então tive de fazer a pesquisa entrevistando as pessoas que trabalham na Funai há 30 anos - que é quando surge a fundação, em 1973 -, pessoas aposentadas e os próprios índios", argumenta Liandro.

Os depoimentos convergem para a idéia de que foi de fato a fundação que disseminou o uso da fonia em áreas indígenas. O Serviço de Proteção ao Índio (SPI), anterior à Funai, utilizava o instrumento, mas em pequena escala. "A Funai criou os postos fixos nas aldeias e os chefes dos postos precisavam de um meio de comunicação direta com a sede. O rádio usado pelas equipes volantes de saúde era móvel, caro e dependia de manivela, óleo, bateria. Depois das décadas de 1980-90, estes rádios começaram a ser fixos nas aldeias, movidos a energia elétrica. São os mesmos usados pelos rádio-amadores", explica o pesquisador.

Os índios não tinham acesso ao aparelho, que era ligado 24 horas para uso exclusivo dos funcionários da fundação. Servia para informar sobre epidemias, mortes graves e conflitos, por exemplo. "No final da década de 1980 e início da década de 1990, a Funai começou a ficar sucateada e facilitou a apropriação pelos índios, que passaram a exigir o uso do aparelho para si, pedir o conserto e mesmo a compra (...) O Estado não teve mais como controlar", narra Liandro, "e hoje os Xikrin, por exemplo, possuem mais de seis estações da radiofonia".

Com a disseminação do uso da radiofonia entre os indígenas, houve um processo que Liandro Faro identifica ser o de reconfiguração. Os indígenas passaram a usar um instrumento criado por outra sociedade, mas sem alterar seu próprio sistema de organização, ao contrário, passaram a fortalecer seu sistema, facilitar o processo de mobilização em defesa de seus direitos, reafirmar sua etnicidade, proteger o meio ambiente e manter laços afetivos.
"Falei com um índio Xikrin que passava muito mais tempo em Marabá do que na sua aldeia, por estar estudando. São 500 quilômetros de distância. A maneira de se manter em contato com os familiares é usando a radiofonia. Ele sabe como foi a festividade, sobre a saúde dos parentes e treina a língua da tribo. Ele consegue se reconhecer naquela comunidade, mesmo não estando lá durante o ano inteiro", exemplifica o pesquisador.
Os usos passaram a ser os mais diversos, tantas quantas são as razões para os indígenas se mobilizarem. Orientador de Liandro, José Heder Benatti afirma que "para algumas comunidades indígenas o que mais as mobiliza é a defesa do seu território. Outras, que já têm consolidada a sua terra, a preocupação é com a sustentabilidade da área e a educação". O professor destaca, porém, que mais importante que o instrumento em si é o que ele propicia. Neste caso, a radiofonia cumpre um papel significativo na defesa dos direitos dos indígenas.

Liandro acrescenta que além de se articularem entre si, cada um na sua língua, com seus códigos e nas suas próprias freqüências de rádio, os indígenas também passaram a fazer contato direto com a própria Funai, Funasa e Polícia Federal. "Se não fosse o rádio, essa participação na sociedade envolvente e a articulação com ela também ia ser muito mais difícil. E eles sabem fazer esse processo com muita habilidade", define.
A garantia dos direitos indígenas é também uma garantia de sobrevivência para esses povos, que atualmente são mais 215 no Brasil, somando cerca de 358 mil pessoas e 180 línguas diferentes, segundo a Funai. Mais da metade da população indígena está localizada nas regiões Norte e Centro-Oeste, principalmente na Amazônia Legal.

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