quinta-feira, 31 de maio de 2012

Eletricidade posta a trabalhar

A onda diurna
Em 1920, amadores britânicos e americanos organizaram uma experiência para determinar se os comprimentos de onda “comercialmente inúteis” de 200 metros (1500 kHz) e menos podiam atravessar o Atlântico. O teste falhou. Foi realizado outro em 1921, a despeito da crença quase universal de que também falharia. Dessa vez, entretanto, foi um sucesso. Vinte prefixos de estações de amadores dos Estados Unidos foram identificados nas Ilhas Britânicas, chegando mesmo uma estação a transmitir uma mensagem completa. Mas os sinais somente foram recebidos à noite, o que é um defeito fatal, no que se refere a comunicações. Nem as companhias comerciais, nem os amadores interessaram-se por outras investigações. Marconi parece ter sido o único homem cuja imaginação foi acesa pelo feito extraordinário dos amadores. Escreveu ele em 1922:
"Trouxe estas idéias e resultados ao conhecimento dos senhores porque acredito — e talvez os senhores concordem comigo —que o estudo das ondas elétricas curtas, embora tristemente negligenciado na prática durante toda a história da telegrafia sem fio, ainda tem probabilidade de desenvolver-se em muitas direções inesperadas, abrindo novos campos para proveitosas pesquisas."
Durante junho de 1923, Marconi começou a primeira de uma série de experiências clássicas, relativas às “inúteis” ondas curtas. Montou um transmissor no histórico sítio de Poldhu, com um comprimento de onda de 97 metros, e partiu para o sul em seu iate Elettra. Recebeu os sinais de Poldhu em sua rota para o sul, achando-os excepcionalmente bons. Nas ilhas do Cabo Verde, distantes mais de 2500 milhas de Poldhu, os sinais eram muito mais claros do que jamais tinham sido quando se utilizava uma estação de ondas longas, a uma distância comparável. Mesmo quando a potência de transmissão de Poldhu foi reduzida para 1 quilowatt — fração mínima da potência utilizada nas estações de ondas longas — os sinais eram mais fortes do que os recebidos das estações transoceânicas das Ilhas britânicas.
Como esperava, Marconi descobriu que os sinais de ondas curtas desapareciam durante o dia. Mas havia uma curiosa diferença entre os sinais de 97 metros de Poldhu e os sinais de 200 metros dos amadores de 1921. Embora estes últimos tenham desaparecido no nascer do sol, os sinais de 97 metros de Poldhu persistiram durante um tempo considerável, após o nascer do sol. Marconi imaginou que comprimentos de onda ainda mais curtos talvez pudessem persistir durante o dia inteiro.
No ano seguinte, lançou um programa para testar uma série de comprimentos de onda, de 90 metros para baixo, até 30 metros. Cruzando pelo Mediterrâneo, comparou a força dos sinais recebidos em todos os comprimentos de onda. Na Baía de Beirute, em setembro de 1924, fez a desconcertante descoberta de que o comprimento de onda de 30 metros, emitido de Poldhu, persistia durante todo o dia. Após percorrer 2 400 milhas, esses sinais de ondas curtas eram tão bons como os sinais do período noturno. Os sinais de 90 metros, por outro lado, comportaram-se como nas ilhas do Cabo Verde. Marconi fizera sua segunda grande descoberta. As ondas curtas são mais adequadas para as comunicações a longa distância do que as ondas longas.
O que Marconi observou foi a transmissão por reflexão de uma região elevada da ionosfera, que mais tarde ficou conhecida como camada-F. Para atingir essa camada, as ondas de rádio tinham que atravessar regiões inferiores da ionosfera, chamadas camada-D e camada-E. Revelou-se que os sinais de 90 e de 200 metros eram quase completamente absorvidos pelas regiões inferiores da ionosfera durante o período diurno, não podendo, assim, atingir a camada-F. Os sinais mais curtos de 30 metros passavam por essas camadas (D e E) com pequena perda de energia, eram refletidos pela camada-F e recebidos a 2400 milhas de distância.
Um mês após sua descoberta, Marconi já tinha feito os arranjos para estabelecer ligações de comunicações de âmbito mundial, com lugares tão longínquos como a Austrália — e todas foram extraordinariamente bem sucedidas. Suas estações de ondas curtas veiculavam mensagens a uma velocidade de 100 palavras por minuto, velocidade que nenhum cabo submarino ou transmissor de ondas longas tinha jamais atingido. Agora as ondas longas estavam obsoletas, e os cabos tinham-se transformado em um meio de comunicação secundário.
Sondando a ionosfera
A dramática descoberta de Marconi despertou considerável interesse a respeito da ionosfera. Foram levadas a efeito pesquisas para testar a teoria de Kennelly-Heaviside. Tais pesquisas realizaram-se na Inglaterra, no ano de 1924, sob a direção de Appleton e Barnett. Eles puderam demonstrar que os sinais recebidos de uma estação de radiodifusão chegam por duas rotas — uma trajetória direta pelo solo e uma trajetória superior pela atmosfera. Medindo os ângulos de chegada dos sinais, puderam calcular a altitude da ionosfera. Não obstante, muitos cientistas ainda não se deixaram convencer.
Em 1925, foi levada a efeito uma experiência crucial, por George Breit e Merle Tuve, que estabeleceram a existência da ionosfera. A idéia surgiu de uma discussão anterior com dois colegas cientistas da Universidade de Minesota: Professor W. F. G. Swann e Dr. J. G. Frayne. Consistia em enviar um sinal em uma direção quase vertical e medir o tempo de ida e volta, necessário para o eco rádio retomar à terra. Os ecos foram primeiramente observados em 1925 na estação NKF do U. S. Naval Research Laboratory, distante apenas 11 quilômetros do receptor. Um sinal direto foi também recebido via trajetória terrestre, e o retardo de tempo entre os dois correspondeu à altitude de reflexão da ionosfera. A maior parte das reflexões proveio de altitudes na faixa situada entre 160 e 200 quilômetros. Embora a camada de Kennelly-Heaviside tenha sido sugerida primeiramente em 1902, não foi senão em 1925 que sua existência foi comprovada experimentalmente, além de qualquer dúvida razoável. Durante aquele ano, medições de sua altitude foram feitas independentemente por numerosos cientistas.
O sucesso das comunicações a longa distância ilustra a igual importância da teoria e da experimentação no progresso da Ciência. Este ponto foi adequadamente salientado em 1938 por Enrico Fermi, o grande físico que desempenhou papel indispensável na concepção e na execução do projeto da bomba atômica dos Estados Unidos, durante a guerra:
"É bem sabido que as descobertas de Marconi foram recebidas primeiramente com um certo ceticismo na comunidade científica. Tal ceticismo baseava-se na convicção de que a transmissão de ondas de rádio não seria passível de realização entre estações em que uma estivesse além do horizonte da outra. De fato, o raciocínio era mais ou menos o seguinte: as ondas eletromagnéticas utilizadas na transmissão de rádio são substancialmente análogas às ondas de luz, das quais diferem apenas no comprimento da onda; e a terra, em virtude de sua condutividade elétrica, age como um corpo opaco para elas. As radiações emitidas por urna das estações, propagando-se em linha reta, devem deixar na sombra todas as estações situadas abaixo do horizonte da estação transmissora, exceto quanto a uma pequena correção devida ao fenômeno da difração. É uma felicidade para a Humanidade que tais argumentos, que a priori podiam parecer razoáveis e bem fundamentados, não tivessem impedido Marconi de realizar experiências com a transmissão a grandes distâncias. A história deste primeiro sucesso da radiotransmissão constitui uma confirmação do fato de que no estudo dos fenômenos naturais, a teoria e a experimentação devem andar na mesmo passo.
Raramente pode a experimentação não dirigida por uma idéia teórica chegar a resultados de grande importância; e é certamente um dos mais significativos sucessos para a teoria o fato de que a própria existência e as propriedades essenciais das ondas eletromagnéticas tenham sido preditas matematicamente por Maxwell, antes da verificação experimental de sua existência, e antes que elas (as ondas eletromagnéticas), através da intuição genial de Marconi, encontrassem seu campo de aplicação prática; por outro lado, uma confiança excessiva depositada nas predições teóricas teria desencorajado a insistência em experiências que estavam destinadas a revolucionar as técnicas de comunicações.
'Crepúsculo' do rádio
No início de 1932, Marconi descobriu uma terceira forma nova de propagação das ondas de rádio, a qual depende somente do lençol de ar (não ionizado) que envolve a Terra. Embora os comprimentos de onda reduzidos — nas vizinhanças de algumas dezenas de metros — fossem refletidos pela ionosfera, sabia-se que ondas ainda mais curtas penetravam na ionosfera sem sofrerem reflexão significativa. As chamadas “microondas” — de comprimento inferior a um metro mais ou menos — eram portanto inúteis para as comunicações a longa distância. Pelo menos, era assim que pensava todo mundo.
Uma vez mais, Marconi, que já envelhecia, decidiu descobrir se as leis da natureza eram como se supunha que fossem. Construiu um transmissor que gerava ondas de rádio de 60 centímetros e instalou-o no topo da Rocca di Papa, uma elevação de uns 2500 pés acima do nível do Mediterrâneo. Partindo para a Sardenha, instalou o equipamento de recepção a uma altitude de cerca de 1 000 pés acima do nível do mar. A distância era de 168 milhas, e o mar que ficava de permeio representava um obstáculo de uma milha de altura entre as duas elevações. Apesar disso, Marconi recebeu sinais utilizáveis da estação da Itália.
Outra vez mais, sua comunicação foi recebida com ceticismo. Nenhuma teoria existente podia explicar o sucesso de sua experiência. A teoria da 'linha de visada’, referente à transmissão das ondas com o comprimento da ordem de centímetros, estava enraizada demasiado firmemente para ser perturbada por uma só experiência, mesmo que o experimentador fosse Marconi. Sua saúde combalida e a morte subseqüente impediram-no de prosseguir em sua terceira descoberta, mas não há dúvida sobre sua confiança neste novo meio de propagação.
“A respeito do alcance de propagação limitado dessas microondas, ainda não foi dita a última palavra.”
Em agosto do ano seguinte, uma experiência semelhante foi executada nos Estados Unidos por W.D. Hershberger, cientista do Signal Corps Laboratories, em Nova Jersey. Utilizando um comprimento de onda de 75 centímetros, Hershberger pode receber sinais telegráficos aproveitáveis a bordo de um pequeno bote, a uma distância de 80 milhas do transmissor. Essa distância foi cinco vezes maior do que a prevista pelas teorias existentes, relacionadas com a linha de visada. Concluiu Hershberger:
“Assim sendo, não se trata de nada que se pareça remotamente com a propagação retilínea (linha de visada) das ondas de 75 centímetros. Estas observações experimentais são oferecidas sem comentários.”
 A questão permaneceu neste ponto por quase vinte anos, até que o efeito foi redescoberto independentemente quando os receptores de televisão começaram a receber interferência de sinais inesperadamente fortes, emitidos por estações situadas em cidades distantes. Seguiu-se uma suspensão da distribuição de canais em 1948, e nenhuma estação nova de TV foi autorizada a funcionar, até que o problema da interferência viesse a tornar-se melhor compreendido, quatro anos mais tarde.
Hoje sabemos que as ondas de rádio de freqüências muito altas (comprimentos de onda muito curtos) não desaparecem completamente, quando o receptor está situado abaixo da linha do horizonte do transmissor. A força do sinal recebido cai consideravelmente logo além do horizonte, mas a queda a distâncias maiores é muito mais moderada. O comportamento dessas ondas é semelhante ao crepúsculo comum. Assim que o sol desce abaixo do horizonte, percebemos uma grande redução na iluminação. Depois, estabelece-se um período de crepúsculo, durante o qual a iluminação decresce muito mais gradualmente, até o sol atingir cerca de 15 graus abaixo do horizonte. Para fazer uso dos sinais fracos mas sempre presentes, do “crepúsculo” do rádio, é necessário utilizar transmissores de potência extremamente elevada e grandes antenas, para compensar a queda inicial da força do sinal, nas proximidades do horizonte. As estações de comunicações desta espécie, chamadas de sistemas dispersos da troposfera, transportam grande número de conversações telefônicas e até mesmo sinais de televisão, a centenas de milhas.
Os cientistas concordam que esta nova espécie de propagação das ondas de rádio se torne possível de alguma maneira pela porção inferior da atmosfera, chamada de troposfera. Uma teoria sustenta que as ondas de rádio são refletidas ou dispersadas por blobs ou volumes turbulentos existentes no ar. Outra sustenta que os sinais são causados por reflexões das camadas de ar que se tornam menos densas à medida que aumenta a altitude. Lavra agora uma grande controvérsia a respeito do assunto, entre os cientistas especializados. Não importa qual das duas teorias conquiste a aceitação final; o fato é que a propagação pelo “crepúsculo” do rádio é reconhecida como a descoberta mais importante na propagação das ondas de rádio a realizar-se em quase trinta anos.
Em tempos recentes, tem havido um mundo de conjeturas sobre quem foi realmente o Pai do Rádio. A honra foi reivindicada por Lee De Forest, o inventor da válvula de rádio, em sua autobiografia que tem aquele título. Outros observam que nenhum progresso foi feito até que Lodge pronunciasse suas importantes conferências. Outros ainda proclamam que Popov transmitiu sinais em código Morse alguns meses antes de Marconi. Mas todas estas reivindicações parecem perfeitamente irrelevantes. somente Marconi teve a coragem e a visão para realizar suas experiências contra as crenças científicas da época. Até o grande Hertz disse que a radiotelegrafia a longa distância, além do horizonte, não podia ser realizada a menos que “se pudesse construir um espelho tão grande como um continente”. Não podia ter-lhe ocorrido que a natureza tinha providenciado tal espelho, na forma de um lençol de elétrons, colocados bem no alto, na atmosfera. Assim, como provisório fechamento desse Histórico da Ciência, se o título de Pai do Rádio pode ser atribuído a algum homem, esse homem somente pode ser Marconi. MAS ... e o Padre Landell de Moura ... como fica?

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