segunda-feira, 7 de maio de 2012

Uma cientista brasileira na Nasa

Pesquisadora que trabalha na agência espacial americana fala sobre a descoberta de estrelas fora das galáxias e dos planos para o futuro

A paixão pelo espaço surgiu muito cedo, antes mesmo que a astronomia fizesse parte da vida da brasileira Duília de Mello, astrônoma do Goddard Space Flight Center, um dos mais importantes centros de estudos da Agência Espacial Norte Americana (Nasa). Natural de Jundiaí (SP), Duília conta de uma forma bem-humorada que, já nos primeiros anos de vida, chegava a ficar de “pescoço duro” de tanto olhar para o céu e admirar as estrelas, a lua e imaginar os planetas, mania que até hoje é lembrada por seus antigos vizinhos no Rio de Janeiro, cidade onde passou a infância. Hoje, porém, ela tem o privilégio de observar suas paixões de perto, além de se dedicar a projetos que têm como objetivo desvendar alguns dos vários mistérios do espaço.

Em entrevista ao Correio, Duília fala de um de seus mais recentes estudos, a descoberta de um berçário de estrelas fora das galáxias. Batizadas de bolhas azuis, esses astros — alguns com menos de 30 milhões de anos — vivem isolados das demais estrelas e foram descobertos com o auxílio de um satélite da Nasa que só detecta luz ultravioleta, o Galex.

Ela conta também sobre os planos de lançar um livro sobre astronomia voltado para o público brasileiro. A motivação surgiu depois do sucesso de Vivendo com as estrelas — a história da astrônoma brasileira que foi trabalhar na Nasa e descobriu uma supernova (Panda Books). Na publicação, voltada para o público juvenil, ela detalha a descoberta da supernova SN1997D, toda a sua trajetória na Nasa — que começou há cinco anos —, além de dar a receita para aqueles que desejam se tornar profissionais nessa área.

Qual foi a sua trajetória até a chegada no Goddard Space Flight Center, na Nasa?
Nasci em Jundiaí (SP), mas cresci no Rio de Janeiro. Comecei a me interessar por astronomia quando ainda era criança, pois tinha vontade de saber cada vez mais sobre o Universo. Em especial no final dos anos 1970, fiquei fascinada ao tomar conhecimento das sondas espaciais que estavam navegando pelo Sistema Solar e enviando imagens por meio de objetos distantes. Diante dessa paixão, cursei astronomia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e fiz mestrado no Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos (SP). Depois, concluí um doutorado na Universidade de São Paulo (USP), pós-doutorado no Cerro Tololo Inter-american Observatory, no Chile, e no Observatório Nacional, no Rio de Janeiro. Também passei pelo Instituto do Telescópio Espacial Hubble, nos Estados Unidos, e fui professora assistente no Observatório de Onsala, na Suécia. Atualmente, sou pesquisadora associada da Nasa Goddard Space Flight Center e professora da Universidade Católica da América (CUA, na sigla em inglês), de Washington.

Numa das suas últimas pesquisas, a senhora relata a descoberta de um berçário de estrelas fora das galáxias. Como elas se formaram e quando foram feitos esses registros?
Sou muito curiosa e gosto de estar em constante aprendizado. O que mais me fascina na astronomia é que estamos sempre desvendando mistérios e propondo perguntas novas, como no caso desse berçário. Costumo chamar essas estrelas de bolhas azuis, pois descobri a existência delas ao utilizar um satélite da Nasa que só detecta luz ultravioleta. O nome dele é Galex. A verdade é que essas bolhas estavam entre duas galáxias em processo de colisão. Depois de contar com o auxílio do telescópio Hubble para a investigação em maiores detalhes, verifiquei que as bolhas eram formadas por estrelas bem jovens e azuis. Também vi que elas estavam dentro de uma nuvem de gás de hidrogênio e que havia algumas estrelas velhas no mesmo local. Interpretei que quando as galáxias passaram próximas umas das outras, elas deixaram gás na vizinhança e promoveram a formação das estrelas azuis. Já as estrelas velhas foram provavelmente ejetadas das galáxias durante a colisão, não nasceram no mesmo local das azuis.

Como é trabalhar ao lado de grandes nomes da astronomia e ter acesso ao que existe de melhor em tecnologia?
Não sou a primeira brasileira a trabalhar na Nasa. Sei da existência de pelo menos quatro delas e isso é um orgulho. O centro é inspirador. Ficamos sabendo dos últimos resultados assim que eles saem, mas não temos privilégios nas observações. Somos membros da comunidade astronômica e temos que enviar projetos que podem ou não ser aceitos para utilização dos equipamentos e satélites, assim como todos os outros astrônomos americanos e estrangeiros. Mas é claro que o fato de estarmos no local facilita a colaboração de grandes astrônomos — o que aumenta a probabilidade de fazermos parte de times vencedores. Um dos projetos mais interessantes que tive o prazer de participar foi o do Campo Profundo do Sul, registrado em 1998, quando eu ainda estava no Instituto do Telescópio Espacial Hubble. Tive a honra de ter sido a primeira pessoa a ver a imagem mais profunda tirada com o Hubble até aquela época. Foi emocionante. Também fiz parte de um outro time que detectou a imagem sucessora desta, em 2006, com a câmera nova do Hubble. Ela gerou o campo mais profundo já observado até hoje — o Campo Ultraprofundo do Hubble.

A ciência está perto de explicar como o Universo se formou?
Não sabemos exatamente como o Universo se formou, mas tudo indica que houve uma explosão inicial, o big bang, pois sabemos que as galáxias estão se afastando umas das outras e isso é típico de uma explosão. O cálculo mais recente da idade do universo foi feito com dados do satélite Wilkinson, o WMAP, que mediu a radiação cósmica de fundo, ou seja, a radiação proveniente do big bang. Utilizamos modelos cosmológicos para calcular a quantidade de matéria e energia que existe no universo. Os resultados do WMAP revelaram que o universo tem 70% de energia escura, 26% de matéria escura, apenas 4% de matéria visível e 13,7 bilhões de anos.

E quanto às outras teorias?
Na minha opinião, a teoria do big bang é a que melhor explica o universo observado. Mas existe também uma corrente de astrônomos que propõe um universo sem começo nem fim. Ela é conhecida como Teoria do Estado Quase Estacionário. A grande desvantagem dela é o fato de não explicar naturalmente a radiação cósmica de fundo. Com o passar dos anos estamos melhorando a tecnologia para detectar planetas pequenos como a Terra. Já sabemos que existem mais de 300 planetas ao redor de outras estrelas, mas eles são “planetões” do tipo de Júpiter. Em março de 2009, a Nasa lançou um satélite, o Kepler, que tem a tecnologia para descobrir planetas do tipo da Terra. A previsão é de que consigamos detectar centenas de planetas terrestres até 2014.

No ano passado, comemoramos 40 anos da chegada do homem à Lua. Como estão os planos da Nasa para novas viagens tripuladas?
A Nasa tem dois projetos de viagem espacial tripulada. Um deles está previsto para a Lua e o outro para Marte, o planeta vermelho. Inicialmente, falávamos que isso aconteceria entre os anos 2020 e 2037. Atualmente, porém, não temos certeza, porque a agência está revisando o projeto de construção do foguete que levaria os astronautas. É bom lembrar que os custos para essas viagens são muito altos e não temos verbas para os dois projetos.

Quais são seus planos para este ano? Tem vontade de voltar ao Brasil definitivamente?
Tenho vários projetos em andamento e estarei trabalhando neles durante todo o ano de 2010. Uma viagem ao Chile, onde trabalharei ao longo de três meses na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Santiago, é um deles. Levarei comigo um time de alunos para estudar e trabalhar num projeto de pesquisa que depois servirá como motivação para uma tese de doutorado. Em 2011 e 2012, deverei passar ainda mais tempo em Santiago e terminar os projetos iniciados. Espero, por exemplo, finalizar o estudo das bolhas azuis, que agora cresceu e já faz parte do doutorado de dois estudantes da USP e de um outro da CUA. Ao longo dos próximos anos, ainda pretendo terminar de escrever um livro sobre astronomia totalmente voltado para o público brasileiro. Este ano, por exemplo, publiquei o Vivendo com as estrelas, para o público juvenil. Porém, nos próximos anos, me dedicarei ao público adulto. Quanto à volta ao Brasil, é algo mais complicado. Moro fora há mais de 15 anos e aprendi a viver com saudades. Vou ao país pelo menos uma vez por ano para rever a família.

Quais são os projetos astronômicos mais importantes atualmente e que no futuro trarão bons resultados?
Os projetos que considero mais interessantes para a próxima década são o telescópio espacial James Webb (JWST) e o interferômetro Atacama Large Millimeter Array (Alma). O JWST fará o que o telescópio espacial Hubble faz, mas para objetos ainda mais distantes. O Alma está sendo construído em um sítio localizado a 5 mil metros de altitude em um planalto dos Andes Chilenos, o Cerro Chajnantor. O Alma terá 66 antenas parabólicas, cada uma com 12m de diâmetro, formando um único instrumento gigante, chamado interferômetro. Com os dois, tentaremos desvendar a origem das galáxias, das estrelas, do Sistema Solar e da vida. Existem também planos de construção de dois telescópios gigantes, provavelmente no Chile, cada um com pelo menos 30m de diâmetro, ou seja, três vezes o tamanho dos maiores telescópios da atualidade. É possível que o Brasil se associe a um desses projetos no futuro, o que seria um grande passo para a astronomia brasileira.

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