Pesquisadora que trabalha na agência espacial americana fala sobre
a descoberta de estrelas fora das galáxias e dos planos para o futuro
A paixão pelo espaço surgiu muito cedo, antes mesmo que a astronomia
fizesse parte da vida da brasileira Duília de Mello, astrônoma do
Goddard Space Flight Center, um dos mais importantes centros de estudos
da Agência Espacial Norte Americana (Nasa). Natural de Jundiaí (SP),
Duília conta de uma forma bem-humorada que, já nos primeiros anos de
vida, chegava a ficar de “pescoço duro” de tanto olhar para o céu e
admirar as estrelas, a lua e imaginar os planetas, mania que até hoje é
lembrada por seus antigos vizinhos no Rio de Janeiro, cidade onde passou
a infância. Hoje, porém, ela tem o privilégio de observar suas paixões
de perto, além de se dedicar a projetos que têm como objetivo desvendar
alguns dos vários mistérios do espaço.
Em entrevista ao Correio, Duília fala de um de seus mais recentes
estudos, a descoberta de um berçário de estrelas fora das galáxias.
Batizadas de bolhas azuis, esses astros — alguns com menos de 30 milhões
de anos — vivem isolados das demais estrelas e foram descobertos com o
auxílio de um satélite da Nasa que só detecta luz ultravioleta, o Galex.
Ela conta também sobre os planos de lançar um livro sobre astronomia
voltado para o público brasileiro. A motivação surgiu depois do sucesso
de Vivendo com as estrelas — a história da astrônoma brasileira que foi
trabalhar na Nasa e descobriu uma supernova (Panda Books). Na
publicação, voltada para o público juvenil, ela detalha a descoberta da
supernova SN1997D, toda a sua trajetória na Nasa — que começou há cinco
anos —, além de dar a receita para aqueles que desejam se tornar
profissionais nessa área.
Qual foi a sua trajetória até a chegada no Goddard Space Flight Center, na Nasa?
Nasci em Jundiaí (SP), mas cresci no Rio de Janeiro. Comecei a me
interessar por astronomia quando ainda era criança, pois tinha vontade
de saber cada vez mais sobre o Universo. Em especial no final dos anos
1970, fiquei fascinada ao tomar conhecimento das sondas espaciais que
estavam navegando pelo Sistema Solar e enviando imagens por meio de
objetos distantes. Diante dessa paixão, cursei astronomia na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e fiz mestrado no
Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos (SP).
Depois, concluí um doutorado na Universidade de São Paulo (USP),
pós-doutorado no Cerro Tololo Inter-american Observatory, no Chile, e no
Observatório Nacional, no Rio de Janeiro. Também passei pelo Instituto
do Telescópio Espacial Hubble, nos Estados Unidos, e fui professora
assistente no Observatório de Onsala, na Suécia. Atualmente, sou
pesquisadora associada da Nasa Goddard Space Flight Center e professora
da Universidade Católica da América (CUA, na sigla em inglês), de
Washington.
Numa das suas últimas pesquisas, a senhora relata a descoberta de
um berçário de estrelas fora das galáxias. Como elas se formaram e
quando foram feitos esses registros?
Sou muito curiosa e gosto de estar em constante aprendizado. O que
mais me fascina na astronomia é que estamos sempre desvendando mistérios
e propondo perguntas novas, como no caso desse berçário. Costumo chamar
essas estrelas de bolhas azuis, pois descobri a existência delas ao
utilizar um satélite da Nasa que só detecta luz ultravioleta. O nome
dele é Galex. A verdade é que essas bolhas estavam entre duas galáxias
em processo de colisão. Depois de contar com o auxílio do telescópio
Hubble para a investigação em maiores detalhes, verifiquei que as bolhas
eram formadas por estrelas bem jovens e azuis. Também vi que elas
estavam dentro de uma nuvem de gás de hidrogênio e que havia algumas
estrelas velhas no mesmo local. Interpretei que quando as galáxias
passaram próximas umas das outras, elas deixaram gás na vizinhança e
promoveram a formação das estrelas azuis. Já as estrelas velhas foram
provavelmente ejetadas das galáxias durante a colisão, não nasceram no
mesmo local das azuis.
Como é trabalhar ao lado de grandes nomes da astronomia e ter acesso ao que existe de melhor em tecnologia?
Não sou a primeira brasileira a trabalhar na Nasa. Sei da existência
de pelo menos quatro delas e isso é um orgulho. O centro é inspirador.
Ficamos sabendo dos últimos resultados assim que eles saem, mas não
temos privilégios nas observações. Somos membros da comunidade
astronômica e temos que enviar projetos que podem ou não ser aceitos
para utilização dos equipamentos e satélites, assim como todos os outros
astrônomos americanos e estrangeiros. Mas é claro que o fato de
estarmos no local facilita a colaboração de grandes astrônomos — o que
aumenta a probabilidade de fazermos parte de times vencedores. Um dos
projetos mais interessantes que tive o prazer de participar foi o do
Campo Profundo do Sul, registrado em 1998, quando eu ainda estava no
Instituto do Telescópio Espacial Hubble. Tive a honra de ter sido a
primeira pessoa a ver a imagem mais profunda tirada com o Hubble até
aquela época. Foi emocionante. Também fiz parte de um outro time que
detectou a imagem sucessora desta, em 2006, com a câmera nova do Hubble.
Ela gerou o campo mais profundo já observado até hoje — o Campo
Ultraprofundo do Hubble.
A ciência está perto de explicar como o Universo se formou?
Não sabemos exatamente como o Universo se formou, mas tudo indica
que houve uma explosão inicial, o big bang, pois sabemos que as galáxias
estão se afastando umas das outras e isso é típico de uma explosão. O
cálculo mais recente da idade do universo foi feito com dados do
satélite Wilkinson, o WMAP, que mediu a radiação cósmica de fundo, ou
seja, a radiação proveniente do big bang. Utilizamos modelos
cosmológicos para calcular a quantidade de matéria e energia que existe
no universo. Os resultados do WMAP revelaram que o universo tem 70% de
energia escura, 26% de matéria escura, apenas 4% de matéria visível e
13,7 bilhões de anos.
E quanto às outras teorias?
Na minha opinião, a teoria do big bang é a que melhor explica o
universo observado. Mas existe também uma corrente de astrônomos que
propõe um universo sem começo nem fim. Ela é conhecida como Teoria do
Estado Quase Estacionário. A grande desvantagem dela é o fato de não
explicar naturalmente a radiação cósmica de fundo. Com o passar dos anos
estamos melhorando a tecnologia para detectar planetas pequenos como a
Terra. Já sabemos que existem mais de 300 planetas ao redor de outras
estrelas, mas eles são “planetões” do tipo de Júpiter. Em março de 2009,
a Nasa lançou um satélite, o Kepler, que tem a tecnologia para
descobrir planetas do tipo da Terra. A previsão é de que consigamos
detectar centenas de planetas terrestres até 2014.
No ano passado, comemoramos 40 anos da chegada do homem à Lua. Como estão os planos da Nasa para novas viagens tripuladas?
A Nasa tem dois projetos de viagem espacial tripulada. Um deles está
previsto para a Lua e o outro para Marte, o planeta vermelho.
Inicialmente, falávamos que isso aconteceria entre os anos 2020 e 2037.
Atualmente, porém, não temos certeza, porque a agência está revisando o
projeto de construção do foguete que levaria os astronautas. É bom
lembrar que os custos para essas viagens são muito altos e não temos
verbas para os dois projetos.
Quais são seus planos para este ano? Tem vontade de voltar ao Brasil definitivamente?
Tenho vários projetos em andamento e estarei trabalhando neles
durante todo o ano de 2010. Uma viagem ao Chile, onde trabalharei ao
longo de três meses na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de
Santiago, é um deles. Levarei comigo um time de alunos para estudar e
trabalhar num projeto de pesquisa que depois servirá como motivação para
uma tese de doutorado. Em 2011 e 2012, deverei passar ainda mais tempo
em Santiago e terminar os projetos iniciados. Espero, por exemplo,
finalizar o estudo das bolhas azuis, que agora cresceu e já faz parte do
doutorado de dois estudantes da USP e de um outro da CUA. Ao longo dos
próximos anos, ainda pretendo terminar de escrever um livro sobre
astronomia totalmente voltado para o público brasileiro. Este ano, por
exemplo, publiquei o Vivendo com as estrelas, para o público juvenil.
Porém, nos próximos anos, me dedicarei ao público adulto. Quanto à volta
ao Brasil, é algo mais complicado. Moro fora há mais de 15 anos e
aprendi a viver com saudades. Vou ao país pelo menos uma vez por ano
para rever a família.
Quais são os projetos astronômicos mais importantes atualmente e que no futuro trarão bons resultados?
Os projetos que considero mais interessantes para a próxima década
são o telescópio espacial James Webb (JWST) e o interferômetro Atacama
Large Millimeter Array (Alma). O JWST fará o que o telescópio espacial
Hubble faz, mas para objetos ainda mais distantes. O Alma está sendo
construído em um sítio localizado a 5 mil metros de altitude em um
planalto dos Andes Chilenos, o Cerro Chajnantor. O Alma terá 66 antenas
parabólicas, cada uma com 12m de diâmetro, formando um único instrumento
gigante, chamado interferômetro. Com os dois, tentaremos desvendar a
origem das galáxias, das estrelas, do Sistema Solar e da vida. Existem
também planos de construção de dois telescópios gigantes, provavelmente
no Chile, cada um com pelo menos 30m de diâmetro, ou seja, três vezes o
tamanho dos maiores telescópios da atualidade. É possível que o Brasil
se associe a um desses projetos no futuro, o que seria um grande passo
para a astronomia brasileira.
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